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Mineiros deram início à série de manifestações que levaram ao fim do Estado Novo, 80 anos atrás
Radio 29/10/2025 11:14 Relevância: 20

Mineiros deram início à série de manifestações que levaram ao fim do Estado Novo, 80 anos atrás

BRASÍLIA - Getúlio Vargas foi deposto em 29 de outubro de 1945, por um movimento militar liderado por generais que integraram seu ministério, e que pôs fim ao Estado Novo. O fim da Segunda Guerra Mundial, pouco antes, foi fundamental para derrubar o regime autoritário, com o desejo de liberdade interno, manifestado em diferentes episódios.
Vargas assumiu o cargo de presidente da República em 10 novembro de 1930, em um golpe militar, como chefe do Governo Provisório da Revolução de 1930, o qual durou até 1934, de 1934 a 1937 como presidente eleito pelo Congresso Nacional, e de 1937 até 1945, como chefe do Estado Novo, encerrado há 80 anos.
Para consolidar seu poder absoluto, Vargas promulgou a Constituição de 1937, que entrou em vigor logo após ele assumir a presidência sem o voto popular. O documento dava ao chefe do Executivo nacional amplos poderes, incluindo a nomeação das autoridades estaduais, os interventores, que nomeavam as autoridades municipais.
Ou seja, não havia mais eleições para governadores e prefeitos. Com a Constituição de 1937, Vargas também impunha censura à imprensa. A propaganda passou a ser coordenada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão censor. Um polícia política perseguia, prendia, torturava e matava opositores.
A Constituição de 1937, escrita sob encomenda de Vargas, previa eleições para um novo poder Legislativo, que nunca chegou a ser convocada. O documento também previa a realização de um plebiscito, que nunca foi convocado. Jamais foram realizadas eleições no Estado Novo, o que contribuiu para a insatisfação em diferentes setores da sociedade.
Mas apenas em 1943 ocorreu o primeiro protesto organizado contra o Estado Novo. Ele ocorreu em Minas Gerais, sendo chamado de Manifesto dos Mineiros, redigido e assinado por advogados mineiros, muitos dos quais se tornaram influentes juristas e importantes políticos da UDN, como Afonso Pena, Olavo Bilac e José de Magalhães Pinto.
O Manifesto dos Mineiros foi publicado em forma de carta aberta em 24 de outubro de 1943, no aniversário da vitória da Revolução de 1930, rejeitando tanto a ditadura do Estado Novo como o retorno aos padrões vigentes até 1930. Liderada pelos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, a Revolução de 1930 levou Vargas ao poder.
O Manifesto dos Mineiros fundamentava-se na tradição histórica mineira e defendia uma democracia de cunho social e não apenas político. Publicado em um jornal, resultou em prisões, demissões de cargos públicos e todo tipo de perseguição contra seus 92 signatários.
O manifesto não abalou o regime de Vargas, mas foi o primeiro gesto libertário, que deu início à reação nacional, tornando uma referência do processo de redemocratização.
Já a União Democrática Nacional (UDN), um partido político, foi fundado em 1945. Com orientação conservadora e frontalmente opositor às políticas e à figura de Vargas, seu lema era uma frase atribuída ao orador irlandês John Philpot Curran (1750-1817): "O preço da liberdade é a eterna vigilância", e seu símbolo era uma tocha acesa.
Com forte apoio das classes médias urbanas e de alguns setores da elite, a UDN era conhecida por sua defesa da democracia, do liberalismo clássico, da moralidade e pela forte oposição ao populismo. Algumas de suas bandeiras eram a abertura econômica para o capital estrangeiro, a valorização da educação pública e a austeridade econômica.
Escritores lideraram oposição a Getúlio Vargas
Um ferrenho opositor do Estado Novo foi o escritor Monteiro Lobato. Ele foi preso por ter enviado uma carta a Vargas criticando a sua política em relação ao petróleo brasileiro. O escritor queria que o governo explorasse esse recurso natural para o desenvolvimento do país.
O Estado Novo pouco podia atuar na questão do petróleo, pois dependia dos investimentos em pesquisa das companhias estrangeiras de petróleo. Pesquisas de alto risco e custo. Para as multinacionais era mais lucrativo manter sua hegemonia no ramo petrolífero.
Além de intelectuais importantes, o Estado Novo prendeu tanto militantes da ANL, grupo político progressista e antifascista, quanto membros da AIB, grupo inspirado no fascismo italiano. Mas outros alvos sequer eram oposicionistas. Foram vítimas de denúncias sem prova alguma.
Assim como Monteiro Lobato, o regime de Vargas colocou na cadeia o escritor Graciliano Ramos, e o jornalista Barão de Itararé. O livro "Memórias do Cárcere", de Graciliano Ramos, relata as experiências vividas no período em que o autor ficou preso em Ilha Grande, sob acusação de ligação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Em janeiro de 1945, o Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores foi o primeiro ato contra o Estado Novo. Ele pedia um governo eleito por "sufrágio universal, direto e secreto". Na mesma época, a divulgação da entrevista de José Américo de Almeida pedindo eleições presidenciais e contra uma possível candidatura de Vargas, inflamou a oposição..
Também chamado de Zé Américo, o entrevistado era um romancista, ensaísta, poeta, cronista, político, advogado, professor universitário, folclorista e sociólogo brasileiro. Após apoiar a Revolução de 1930, Zé Américo sofreu um golpe de Getúlio ao ter a sua candidatura ao governo em 1937 impedida pela instalação do Estado Novo.
A entrevista do paraibano Zé Américo, publicada em 22 de fevereiro de 1945 no Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, marcou o fim da censura à imprensa no Estado Novo e o enfraquecimento do regime ditatorial. O veículo impresso pertencia a Carlos Lacerda, outro ferrenho opositor de Getúlio Vargas.
A pressão sobre Vargas não diminuiu nem com algumas medidas, como a definição, em 28 de maio de 1945, de uma data para as eleições presidenciais, marcadas para 2 de dezembro, ou a anistia a Luís Carlos Prestes e outros presos políticos, a liberdade de organização partidária, e o compromisso de fazer eleger uma nova Assembleia Constituinte.
Empresário liderou campanha para manter Vargas no poder
Houve ainda um movimento pró-Vargas, liderado pelo empresário agroindustrial do algodão Hugo Borghi, apelidado de Queremismo com os lemas "Queremos Getúlio" e "Constituinte com Getúlio", que visava que a manutenção do ditador no poder até a promulgação de uma nova constituição.
Em 3 de outubro, aniversário da Revolução de 1930, 150 mil manifestantes se reúnem no Largo da Carioca, na cidade do Rio de Janeiro, em ato pela permanência de Vargas organizado por Borghi. Mas de nada adiantou tal mobilização.
Vargas foi obrigado a assinar uma carta de renúncia em 29 de outubro de 1945. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José Linhares, assumiu a Presidência da República, porque na Constituição de 1937, que dava amplos poderes a Vargas, não existia a figura do vice-presidente.
Linhares ficou três meses no cargo até passar o poder ao presidente eleito em 2 de dezembro de 1945, o general Eurico Gaspar Dutra, eleito pelo Partido Social Democrático (PSD), em coligação com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Dutra foi ministro da Guerra de Vargas. Teve papel decisivo na conspiração e na instauração do Estado Novo.
Fake news foi determinante para sucessor de Vargas
Uma fake news disseminada por Hugo Borghi, que era filiado ao PTB, foi fundamental para a vitória de Dutra. O empresário defensor de Vargas distribuiu milhares de panfletos acusando o brigadeiro Eduardo Gomes, o candidato da UDN, de ter dito: "Não preciso dos votos dos marmiteiros".
Borghi espalhou a frase também por meio das várias emissoras de rádio que lhe pertenciam, para propagar a versão de que Gomes teria dito não precisar do voto dos "marmiteiros", ou seja, dos operários e trabalhadores, mobilizando manifestações de rua contra o brigadeiro.
Mas o que havia sido pronunciado na verdade, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, duas semanas antes da votação, foi: "Não necessito dos votos dessa malta de desocupados que apoia o ditador para eleger-me presidente da República".
Em meio à acirrada campanha eleitoral, o presidente interino José Linhares mandou instaurar uma comissão especial de inquérito para investigar as denúncias de tráfico de influência envolvendo Hugo Borghi, que havia sido deputado federal e secretário da Agricultura de São Paulo.
A comissão revelou que Borghi fez retiradas de até 250 milhões de cruzeiros (R$ 400 milhões) nos guichês do Banco do Brasil, valor muito acima do limite de crédito da empresa. Mas o presidente eleito Eurico Gaspar Dutra mandou arquivar o processo sem punição.

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