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Com Jennifer Lopez, 'O Beijo da Mulher Aranha' ganha versão colorida e musical
Radio 28/10/2025 12:35 Relevância: 20

Com Jennifer Lopez, 'O Beijo da Mulher Aranha' ganha versão colorida e musical

SÃO PAULO. A carga opressiva e política da adaptação de Hector Babenco para "O Beijo da Mulher Aranha", lançada em 1985, ganha cores e música na versão assinada por Bill Condon. Uma das atrações da extensa programação da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que acontece na capital paulista até quinta-feira (30), o novo filme explora o universo imaginário de um dos personagens, sem macular a essência do livro de Manuel Puig, escrito no calor das ditaduras latino-americanas.
Quando Babenco levou às telas a história do convívio de dois detentos completamente diferentes, um aguerrido militante de esquerda e um homossexual completamente apolítico, nove anos depois da publicação de Puig, o Brasil tinha acabado de pôr fim a 21 anos de militarismo no poder - na Argentina, terra natal do autor, a democracia retornou ao país dois anos antes, em 1983. O filme estava muito impregnado desse momento, mais preocupado em dialogar com os fatos políticos.
A aspereza narrativa adotada por Babenco, perceptível na fotografia em tons escuros e que acentuou a falta de liberdade em enquadramentos fechados e fixos, cede lugar a uma adaptação que, em primeiro lugar, não está conectada diretamente aos acontecimentos daquela época. O roteiro manteve o período histórico da ação, mas que serve mais como contexto para o acompanhamento da relação entre os personagens. Na perspectiva de Babenco, a política era um terceiro elemento dentro da cela.
"O Beijo da Mulher-Aranha" de Condon põe, num mesmo patamar, a história fictícia contada por Molina, o preso homossexual vivido pelo ator queer Tonatiuh Elizarraraz. Baseando num musical da Broadway, o cineasta inclui muitas sequências musicais que evocam o gênero da Hollywood da década de 1950, já que Molina é fascinado pelo cinema daquele período, pelo star system e pelos enredos melodramáticos, numa visão ingênua que logo se contrapõe ao idealismo político de Arregui (Diego Luna).
Antes antagônicos, os dois vão gradualmente se aproximando, não só por forçosamente terem que conviver num espaço reduzido 24 horas por dia, como também ao perceberem que, na verdade, comungam de desejos muito parecidos sobre desejos e conceito de liberdade. Esse é um pilar essencial do texto de Manuel Puig que é seguido à risca pelos dois filmes. No caso da nova adaptação, essa relação ganha maior sustentação pela capacidade imaginativa de Molina, plenamente compartilhada pelo público.
É como se fosse um filme dentro do filme, e não um relato fantasioso. A discussão que os dois protagonistas travam sobre os mecanismos narrativos dos filmes são exemplificadas a partir desta outra história. Apesar das tintas um pouco exageradas, como era comum nos musicais daquele tempo, Condon não a enfraquece ou a deixa numa posição inferior à trama real. Pelo contrário, o cineasta, experiente no gênero (ele fez "Dreamgirls - Em Busca de um Sonho" e "A Bela e a Fera"), cria cenas exuberantes e vigorosas.
A cantora Jennifer Lopez surge no papel que foi de Sonia Braga na versão de Babenco, como a mulher aranha do título, aqui menos misteriosa e mais presente como símbolo de um papel duplo. Ao mesmo tempo em que Molina aspira ser como ela, uma deusa sedutora, o presidiário também assume, em sua narração, o vilão. Essa ambiguidade é melhor explorada pelo filme atual, porque há maior tempo para desenvolvê-la, ilustrando a ideia de uma morte como ruptura e não simplesmente como prova de amor.
Jennifer Lopez volta a ter um papel de destaque, fazendo o que sabe (cantar e dançar), como parte de um elenco bem afinado. Elizarraraz e Luna não ficam muito a dever à dupla William Hurt e Raul Julia (o primeiro, aliás, ganhou um Oscar por sua composição como Molina). Com esse elenco de origem latina e com a perseguição atual a imigrantes nos Estados Unidos, valeria até mesmo um desvio geográfico no original de Puig, trocando a América do Sul pela América do Norte. Certamente o escritor aprovaria.

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