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Cinerata prenuncia noite histórica em Diamantina durante II Festival de Cinema
Musica 20/09/2025 12:44 Fonte: O TEMPO Por: O TEMPO Relevância: 20

Cinerata prenuncia noite histórica em Diamantina durante II Festival de Cinema

Diamantina (MG). O burburinho que se esgueirava entre as mesas e cadeiras amontoadas ao longo de toda a rua da Quitanda cessou imediatamente quando, do alto da sacada de quatro janelas laterais os tocadores de sopro atacaram com seus instrumentos metálicos, anunciando o início da tão aguardada Cinerata.
Minutos antes, o diretor artístico e coordenador geral do II Festival de Cinema de Diamantina dera a letra. Felipe Canêdo sugeriu que, assim como aconteceu com a primeira Vesperata, em 17 de agosto de 1997, aquela poderia ser uma noite histórica, o que se confirmou pouco depois de suas palavras serem levadas pelo vento.
Havia um misto de emoção e descontração no ar que prevaleceu durante todo o tempo em que a orquestra formada com músicos da cidade executou, diante da plateia, uma trilha sonora original, concebida também por filhos ilustres de Diamantina, enquanto, no enorme telão posicionado na parte extrema da praça, um filme mudo e em preto&branco de Buster Keaton ("One Week", de 1920) mobilizava a atenção de adultos e crianças que se punham a rir das peripécias do atrapalhado personagem, cujo estilo influenciou de Charlie Chaplin aos desenhos animados.
Suas trapalhadas cômicas, infantis, lúdicas, ofereceram a todos um bem precioso e raro: rir diante do impossível, pois na arte tudo se pode. Com direito até a brincadeiras metalinguísticas, ao projetar o seu espelho na tela o personagem apreendia a vida de um ângulo mais bonito.
Não há como deixar passar a expressão estoica e imutável de Keaton, a despeito de suas estripulias acrobáticas, conferindo um semblante melancólico àquela figura injustiçada e esguia. Se o cinema enveredou, ao longo dos anos, numa tentativa cada vez menos inventiva de reproduzir a realidade, aqui temos exatamente o contrário. Ele ainda causava espanto pela capacidade de superá-la e nos jogar para além dela.
A singeleza da aventura cinematográfica se acoplou de forma tão natural à sonoridade proposta que por vezes se esquecia estar ali uma trupe de talentosos e dedicados músicos a realizar aquela música que de repente se tornava ágil, robusta, elétrica, noutras retornava a uma suave introspecção, tudo com uma delicadeza artesanal.
Quando o segundo filme foi exibido ("The Railrodder", de 1965), mostrando na tela um já idoso Buster Keaton da década de 1960, muito diferente daquele apreciado minutos antes no esplendor dos anos 1920, mas ainda com as mesmas vestes e cacoetes, o jogo já estava ganho.
Nem a dispersão natural ante uma película feita para o governo do Canadá de óbvia pretensão publicitária atrapalhou o sentimento geral de ter havido ali, de fato, mais uma noite histórica em Diamantina. Afinal, a experiência mostrava, a olhos vistos, que o cinema, assim como o teatro, também é a arte do instante, único, fugaz, de brilho raro, vivido no momento ao vivo como uma epifania.
Neste caso, bastava olhar para trás, recuperando-se os primórdios da sétima arte com seu cinema mudo, e, ironicamente, mirar o futuro, restaurando o vigor cinematográfico em época de streaming e shopping. A derradeira manifestação da plateia deu o mesmo recado: não esquecer o passado para caminhar em direção ao novo: "Sem anistia!", foram os brados ouvidos ao final da sessão.

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